Ana Carô Amaral

Pensamentos soltos sobre a vida depois dos 30

Berlim – Sachsenhausen

Nem sei desde quando, mas há muitos anos tenho vontade de ir para a Polônia e conhecer Auschwitz, o campo de concentração alemão mais famoso e que ainda está de pé. A Polônia não entrou no meu roteiro dessa viagem, mas quando resolvemos ir para Berlim eu botei na cabeça que tinha que visitar Sachsenhausen, que também é um memorial e fica nas imediações da cidade.

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O campo de concentração fica na cidade de Oraniemburg, pertinho de Berlim. Dá para ir de trem até lá e ir até o campo de concentração andando ou de ônibus. A gente gosta de andar, então fizemos uma caminhada de uns 20 minutos até lá. E sim, esse tempo andando calmamente, saindo da estação de trem central da cidade. E sim, o campo de concentração era assim tão perto do resto da vida normal da cidade. Essa foi a primeira coisa que me impressionou. O tempo todo eu fiquei pensando em como os cidadãos da cidade não se revoltavam contra o que acontecia lá e como conseguiam viver a vida tranquilamente com tanto sofrimento por perto. Bem bizarro. Claro que o povo alemão era sofrido também, vinha de um tempo de muitos problemas e estava feliz em conseguir se reerguer, mas mesmo assim acho difícil imaginar conviver com isso tão de perto e não fazer nada.

"O trabalho liberta", era o que queriam que acreditassem.
“O trabalho liberta”, era o que queriam que acreditassem.

Sachsenhausen foi um campo de concentração alemão por 9 anos e, depois da derrota alemã, virou um acampamento especial soviético. Na época dos alemães ali eram presos homossexuais, ciganos, opositores políticos e poucos judeus (se compararmos com outros campos). Quando os soviéticos assumiram, o acampamento era usado para abrigar presos de guerra – oficiais alemães passaram a viver onde antes prendiam as pessoas e bem possivelmente recebendo um tratamento parecido ao que davam às pessoas quando estavam no comando.

Durante a Segunda Guerra, parte dos prisioneiros dali era forçada a trabalhar em outros 60 subcampos que ficavam na área de Berlim, para a fabricação de armamento. Tantos outros também foram obrigados a submeter a experimentos médicos. Muitos e muitos foram executados e tiveram os corpos queimados ou jogados em valas. A estimativa é que 200 mil pessoas tenham passado por lá, durante esses 9 anos. Ao perceberem que seriam abordados por tropas dos inimigos, os alemães colocaram os prisioneiros para mais uma marcha da morte e fugiram. Só ficaram para trás os que já não conseguiam se locomover.

Sob o comando dos soviéticos, o acampamento recebeu cerca de 60 mil prisioneiros e, assim como os alemães, também executaram e jogaram em valas comunitárias muitas das pessoas que passaram por lá.

Essas marcações com pedra no chão mostram onde ficavam os barracões dos presos.
Essas marcações com pedra no chão mostram onde ficavam os barracões dos presos.

A entrada é gratuita e você paga uma taxa apenas se quiser o audio guide (que não tem em português, mas o moço me disse que achava que iriam providenciar porque vai muito brasileiro). O espaço é enorme e se você for ouvir tudo o que o audio guide diz, com certeza passará o dia inteiro na visita. Ao entrar, verifique se te entregaram o mapa do espaço, é por ele que você vai conseguir saber direitinho o que era onde.

Boa parte do campo de concentração foi mantido. No terreno há os dormitórios de oficiais, a casa do comandante do campo, o escritório onde reuniões táticas eram realizadas… e um muro com fotos e histórias de gente que passou por lá, por toda a rua que leva da entrada do terreno até a entrada real do campo de concentração.

Um dos barracões mantidos.
Um dos barracões mantidos.
A área de banho.
A área de banho.
Corredor com entrada para o lavatório, o banheiro e a área de convivência.
Corredor com entrada para o lavatório, o banheiro e a área de convivência.
Uniforme usado por um preso do local.
Uniforme usado por um preso do local.

Dos barracões onde os prisioneiros dormiam, somente dois foram preservados: justamente os barracões destinados aos judeus. Você pode entrar neles, para ver como era. É minúsculo, o banheiro era terrível e é quase impossível pensar que tanta gente era obrigada a viver ali. As fotos que tirei são de um deles, que foi danificado após um incêndio.

Há uma prisão dentro do complexo – sim, uma prisão dentro de outra, uma coisa muito doida. Entramos lá e, em algumas celas, é possível ver memoriais em respeito a quem ficou preso. Foi o lugar onde senti uma energia mais pesada, sabe? Talvez porque ali era onde levavam quem não se comportava bem no campo ou alguns presos trazidos pela Gestapo. Contam que lá as pessoas, obviamente, eram frequentemente abusadas, torturadas e mortas.

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A cozinha, a lavanderia, a sala de “recreação”, a enfermaria e a vala comunitária podem ser visitadas. Não quis entrar nas duas últimas, mas em todas as outras que entrei encontrei dados, imagens e informações sobre prisioneiros ou o dia a dia do campo.

A parede de execução fica em um buraco abaixo do nível do solo, com pedras ao fundo. Dizem que isso era feito para que o som dos tiros fosse um pouco abafado. Logo em frente foi construído um local onde as cinzas de prisioneiros encontradas foram deixadas, como um memorial. Ao lado ficavam os fornos para cremação. Era realmente uma fábrica de corpos.

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Há também uma área de barracões construídos pelos soviéticos, quando eles assumiram o lugar. Ali todos os barracões estão de pé e você pode entrar em dois deles para uma exposição bem interessante sobre pessoas que foram presas por eles.

Toda a energia do lugar é terrível. Parece que o tempo todo tem alguém empurrando seu coração para baixo, fazendo com que você receba um peso nos ombros. É realmente uma experiência muito estranha.

O Henrique nunca teve vontade de conhecer um campo de concentração e foi somente para me acompanhar. Eu entrei em vários barracões, andei com calma, escutei muitas das histórias narradas pelo audio guide. Ele sentiu mais do que eu a energia e o horror e parou de entrar nos barracões depois de um tempo. Tô falando isso porque, talvez, se você não se interessa muito pelo assunto ou é um pouco mais sensitivo, pode não se dar bem durante a visita.

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Tenho que terminar esse post explicando a curiosidade que sempre tive em conhecer um campo de concentração. Cresci vendo filmes sobre isso, lendo, procurando mais informações sobre quem sobreviveu à todo esse inferno. Hoje, sei que nunca consegui realmente entender o horror disso tudo, muito menos a amplitude. Por mais que soubesse de números, nunca entrou na minha cabeça o tamanho físico que um campo de concentração tinha. Consigo imaginar o horror de quem foi obrigado a trabalhar e sofrer em um lugar desses, mas duvido que consiga chegar perto de pelo menos 10% do que tenha sido. É algo duro, algo tão horrível que a gente fica sem palavras para descrever, algo que temos que lembrar que aconteceu para perceber o quão mau pode ser o ser humano. Algo que temos que lutar com todas as forças para que não passe pela cabeça de ninguém repetir isso.

Mais informações: Site oficial e post cheio de fotos no Pequenos Monstros.

Ana Carolina

9 comentários em “Berlim – Sachsenhausen

  1. Também tenho Auschwitz na minha lista de lugares pra ir. Achei demais o post, as fotos e as informações. Realmente uma época triste, mas que não pode ser esquecida pra não cairmos no mesmo erro de novo.

    1. Tenho vontade de conhecer Alcatraz tb, Nary. No final de semana estava conversando com uma amiga que foi e ela me falou que também se sentiu meio mal lá, um sentimento ruim.
      Eu acredito muito que quando os sentimentos e sofrimentos são muito fortes, impregnam no lugar, sabe? Não saem nunca mais dali. :/

      1. Também acho a mesma coisa Carô. Lá em Alcatraz tem áudio tour tbm, tem uma parte que passa um preso falando que a cela dele tinha um buraco mínimo na parede e ele ficava vendo o mar e a liberdade por ele. Eu entrei na cela e olhei por esse buraco, é meio agoniante. =/

  2. se eu der um pulo nesse lado do mundo tenho vontade de conhecer esse espaço mas esse lance de energia acho bem complicado mesmo. já sinto o peso nas fotos, imagine visitando o lugar. acho que a história em si tem um peso absurdo e é impossível conhecer, visitar, o que for sem no mínimo se sentir tocado.

  3. Confesso que nunca li nada sobre a época do holocausto – nenhum motivo em especial – então não tenho muito essa curiosidade. Só me aguçou quando terminei de ler o Diário de Anne Frank.

    Mas o que mais me impressiona é que achei que as fotos que você postou mostra um lugar tão pacífico, tão calmo, que deve ser muito contrastante com a realidade da atmosfera.

    ps: como escrever esses nomes sem ajuda do santo google?

    1. Lec, o bizarro é que o lugar é mesmo uma paz só. Silencioso, a cidade é pequena e calma… provavelmente por isso escolheram justo lá para construir o campo, quanto mais calma a cidade, melhor.

      Pior o que escrever é como pronunciar isso? Cada vez falo de um jeito. HAHAHHA

  4. eu acho que a população da cidade não se manifestou porque não tinha muita escolha, talvez por medo. pra gente, agora, é muito fácil olhar pra trás e pensar em maneiras de como essa tragédia toda poderia ter sido evitada ou reduzida, mas pro povo que de fato viveu isso deve ter sido tão mais complicado do que a gente imagina. não se revoltar vira um mecanismo de subsistência. não tô defendendo, mas enfim, os próprios alemães também foram vítimas né.

    e agora vem mais um pedaço na saga “dani sem noção pelo mundo”: fui pra hiroshima e senti uma calma, uma alegria, achei a cidade tão vibrante e cheia de vida e encarei isso como prova de como o ser humano consegue se re-erguer depois de uma adversidade. óbvio que tem vários museus e monumentos em homenagem às pessoas que morreram quando a bomba caiu, pras pessoas não esquecerem e não repetirem, mas no geral não me deu a mesma bad vibe que sinto quando vejo fotos de campos de concentração. mas mesmo assim, me arrependo de ter tirado tantas fotos sorrindo por lá….

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